Bocage



Do essencial da vida do poeta podemos mencionar o facto de ser natural de Setúbal, tendo partido muito jovem ainda para o Oriente onde permaneceu alguns anos.
De regresso a Portugal entrou para a Nova Arcádia com o nome de Elmano Sadino.
Em breve, porém, satirizava os seus membros; acusado de revolucionário veio a ser preso.
Faleceu com apenas 40 anos. (1765-1805)
A sua obra é constituída por todos os géneros poéticos em curso no seu tempo, mas foi no soneto que deixou o melhor de si próprio; nas suas composições combina elementos neoclassicistas com o gosto pelo pré-romantismo.
A solidão, o sofrimento, o amor-ciúme, o belo-horrível, a morte, são alguns dos temas que trata, de acordo com o próprio infortúnio da sua vida.


Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Bocage, in 'Rimas'


Bocage viveu numa época em que os poetas se agrupavam em torno de associações literárias denominadas Arcádias. Entretanto, dono de um temperamento irrequieto, polêmico e insatisfeito, Bocage não conseguiu se submeter às normas dessas instituições, renegando-as. Nascido em Setúbal, a 15 de setembro de 1765, Manuel Maria de Barbosa du Bocage, recebeu desde cedo dos pais o maior carinho e o melhor estímulo à educação. Seu pai, José Luís Soares de Barbosa era advogado e exerceu diversos cargos da magistratura. Sua mãe, d. Mariana Joaquina Lestof du Bocage, filha de um vice-almirante francês a serviço da Armada Portuguesa, emprestou-lhe o sobrenome. O casal teve ainda mais cinco filhos: Gil Francisco, que foi jurisconsulto famoso, Ana das Mercês, Maria Agostinha, Maria Eugênia e Maria Francisca, companheira dedicada do poeta e que lhe assistiu os últimos momentos.
Pouco se sabe acerca dos primeiros anos da vida de Bocage. Antes de completar cinco anos, iniciou-se nas primeiras letras. Aos oito anos já lia e escrevia bem e compunha alguns versos. Aos dez anos, órfão de mãe, foi confiado ao professor espanhol d. João de Medina, que lhe ensinou a língua latina. A facilidade com que Bocage sempre interpretou os autores latinos e as traduções que fez atestam o quanto lhe foram úteis os ensinamentos daquele mestre estrangeiro. Com o pai aprendeu francês. Parece que, muitos anos depois, estudou italiano como autodidata, não chegando, porém, a dominar completamente esse idioma.
A primeira namorada de Bocage foi Gertrudes Homem de Noronha, a Gertrúria das seus versos, filha do governador da Torre de Outão, em Setúbal, cuja casa toda a família do poeta freqüentava.
Em setembro de 1781, Bocage assentou praça como soldado no regimento de Setúbal, onde permaneceu até 1783, ano em que se transferiu para a Armada Real. Fez os estudos na Academia Real da Marinha. Nessa altura, Bocage já freqüentava os bares da boêmia lisboeta, granjeando fama como poeta satírico-erótico e como homem de espírito irrequieto.
Em princípios de 1786 conseguiu a patente de guarda-marinha e, em abril, a bordo do navio “Nossa Senhora da Vida, Santo Antônio e Madalena”, embarcou para a Índia, levando em pensamento sua namorada Gertrudes. Entretanto, a mulher que lhe deu a princípio tanta felicidade foi também a responsável por horas de intensa amargura, casando-se com seu irmão Gil. O navio em que Bocage viajou fez escala no Rio de Janeiro, onde o governador Luís de Vasconcelos recebeu-o da melhor maneira possível, relacionando-o com a melhor sociedade da época.
Em outubro de 1786, desembarcou em Goa, na Índia, lá residindo por um espaço de 28 meses. Tentou continuar seus estudos na Aula Real da Marinha, mas por duas vezes foi abrigado a abandonar o curso.
Com a eclosão da Conspiração dos Pintos, que se propunha a subjugar a guarnição portuguesa de Goa e expulsar os europeus, Bocage participou dos combates. Sufocada a rebelião, o poeta foi promovido a tenente de infantaria para o regimento da Praça de Damão, para onde seguiu em 1789. Parece que Bocage detestou Damão. Alguns dias após sua chegada e apresentação no novo regimento, Bocage, em companhia de um alferes endividado, empreendeu fuga. Desertor, embarcou para Macau, mas uma tempestade colheu seu barco, que foi aportar em Catão. Lá, Bocage passou privações e, graças à interferência de um comerciante, conseguiu junto ao governador os meios para regressar a Portugal, chegando em Lisboa, em agosto de 1790.
A notícia do casamento de Gertrudes com seu irmão desilude-o. Bocage entrega-se, então, a uma vida desregrada e boêmia, “fumando e bebendo, numa excitação doentia, numa embriaguez de espírito”. Ganha, contudo, cada vez mais, popularidade como poeta. Em 1791, publicou o primeiro volume das suas poesias, Rimas. Nesse mesmo ano, foi convidado para fazer parte da Academia das Belas-Artes ou Nova Arcádia, instalada na casa do conde de Pombeiro e presidida pelo poeta Domingos Caldas Barbosa. Conforme prezava a sociedade, cada associado deveria ser conhecido por um pseudônimo de origem, sempre que possível, grega. Bocage escolheu para si o de Elmano Sadino. Entretanto permaneceu pouco tempo entre os companheiros árcades. Travou violenta polêmica em versos satíricos com seus ex-colegas da Arcádia. Acusado de “herético perigoso e dissoluto”, após a publicação da epístola Pavorosa Ilusão da Eternidade, inspirada na sua paixão por Maria Margarida, foi obrigado a refugiar-se. Descoberto, foi preso na Cadeia da Corte, em Limoeiro, em 1797, e daí seguiu para os cárceres da Inquisição, de onde saiu, primeiramente, para o Mosteiro de São Paulo e, depois, para o Recolhimento de Nossa Senhora das Necessidades, um tipo de hospício, em 1798. Recorrendo a amigos e suplicando a muitas autoridades e pessoas de influência, obteve clemência por parte da Inquisição e foi posto em liberdade.
Com o desamparo que, de um momento para outro, se encontraram a irmã Maria Francisca e sua sobrinha, Bocage começou a trabalhar, aceitando a função de tradutor de versos de poemas didáticos, oferecida pelo erudito frei José Mariano Veloso.
O abuso do fumo e da bebida levou Bocage à cama, pela primeira vez. Os cuidados de uma família amiga salvaram-no desta primeira enfermidade. Entretanto, onze anos depois, em 1804, caía Manuel Maria doente para nunca mais sarar. A 21 de dezembro de 1805, após quase um ano de sofrimento, assistido pela irmã Maria Francisca, morreu Bocage. “Ao 3.° andar do Terreiro de André Valente subiu gente de todas as categorias sociais, irmanada no mesmo sentimento de pesar. O povo da capital consternou-se e os amigos mais íntimos fizeram-lhe funeral decente. Foi sepultado no Cemitério da Igreja Paroquial da Nossa Senhora das Mercês, no Bairro Alto, a poucos metros da sua residência”, registra Guerreiro Murta

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