Suponho que a primeira referência ao topónimo que iria florir sob a forma Setúbal é a que ocorre na «Geografia» de Edrici, um sábio árabe nascido em Ceuta, contemporâneo do nosso D. Afonso Henriques.
Diz ele: «Alcácer do Sal fica nas margens do Xetubre, grande rio navegado por navios e outras embarcações de comércio».
Não é nome de cidade, mas de rio. Mas é admissível que o rio tivesse tomado o nome da cidade junto da qual entrava no mar : Xetubre, ou Chetubre, pode ter relação com Cetóbriga, palavra da qual, aliás, se admite que tenha vindo Tróia, nome da lingueta arenosa que tem por debaixo uma cidade romana, por cima uma cidade turística.
Quando, mais tarde, surgiu um povoado nas margens alagadiças do rio, recebeu o nome do rio: Setúbal.
A cidade de hoje seria, assim, a herdeira do nome da cidade de há dois mil anos.
Tudo isto é conjectural e apenas possível. Os sábios têm esse vezo de preencher as lacunas do saber ao certo com a argamassa das hipóteses apenas verosímeis.
Neste dominio há só uma evidência: Setúbal nasceu do Sado, tem Cetóbriga por avo remota e Alcácer do Sal como parenta de quem herdou a fortuna.
Durante todo o séc. XII não existe qualquer referência a Setúbal. Compreende-se que assim seja.
Com Alcácer do Sal nas mãos dos sarracenos e Palmela em poder dos cristãos, devia ser dificil sobreviver nas margens do rio.
Após tentativas sangrentas e malogradas, Alcácer foi conquistada pelos cristãos em 1217. Foi, desde logo, arvorada em cabeça da Ordem Militar de Santiago, e um dos rendimentos da Ordem era o imposto sobre o pescado e a tributação das mercadorias entradas pela barra do Sado.
Foi assunto, aliás, que degenerou em conflito entre o Rei e o mestre da Ordem, porque ambos entendiam ser seu esse rendimento.
Em 1274 foi finalmente negociado um acordo entre os hábeis juristas de D. Afonso III e o mestre Paio Peres: de todas as barcas com panos, ferro, cobre, madeira, metais, couros, cera, que entrarem pela barra do Rio que vem de Alcácer tenha o Rei a dízima, e a Ordem a dízima dessa dízima.
De tudo o que sair pela barra, tenha a Ordem os seus direitos conforme combinar com os donos das cargas. E o Rei não tenha nada, a não ser que se trate de mercadorias que, por lei geral, estejam sujeitas à dízima real.
Ponto 1. Ponto notável do acordo: Setúbal era o porto obrigatório. Penso que foi assim, como porto fiscal, que Setúbal nasceu. Mas cresceu de uma forma surpreendente.
À rápida agonia de Alcácer do Sal foi o preço da brilhante trajectória de Setúbal. Em Alcácer tudo o que era gente viva foi passado a fio de espada pelos Cruzados, em 1217.
Deixou de ser lá a metrópole do sal, deixaram de se construir navios (talvez sejam lembrança deles as florestas de pinheiros mansos que ainda cobrem a zona).
E praga simultânea foi o assoreamento do curso do Sado, que deixou de ser praticável a navios. As terras pantanosas foram utilizadas para a plantação de arroz e as febres palustres dizimaram implacavelmente quem se tentou ali fixar. Mas o sal continuava a ser preciso. Tinha sido sempre, e continuou a ser, a alma de Setúbal.
Não andará longe da verdade quem explicar pelo sal a expansão da cultura campaniforme. E verdade comprovada que foi com aquele sal que pagámos aos holandeses as indemnizações de guerra, depois da Restauração.
Mas os lugares de venda devem ter acompanhado a mudança dos lugares de desalfandegagem.
Isto é: pelo menos desde o acordo de 1274 fixaram-se em Setúbal e desencadearam o crescimento da terra. Em 1248 já se diz missa em Santa Maria da Graça.
Nos anos seguinte, a terra tem foral, concedido por Paio Peres Correia, que nesse documento faz uma alusão aos valiosos serviços que os setubalenses lhe prestaram na conquista do Algarve. Que serviços seriam ?
No séc. XIV a vila conquista um território para seu alfoz. Os setubalenses estavam fartos das intromissões e abusos dos vizinhos de Palmela, que olhavam para eles de cima para baixo com indesmentivel razão geográfica.
Dai a demarcação de um termo próprio, em 1343. Pouco depois (1386) assinam o compromisso da Senhora da Anunciada, em que se obrigam a realizar as sete obras da Misericórdia, «dando aos famintos de comer e aos sedorentos de beber e a hospedes albergue e aos nus vestimento, aos enfermos visitamento, aos presos acorrimento, aos mortos soterramento e ás nossas almas salvamento. Ámen».
É espantoso que, com um documento destes, Setúbal nunca tenha reivindicado o titulo de sede da primeira Misericórdia Portuguesa.
Na raiz do crescimento de Setúbal está a actividade de três e três grupos sociais: o pescador, o salineiro, o almocreve.
A cidade moderna escolheu como heróis epónimos o poeta Bocage e a cantora Luisa Todi, , que sem dúvida mereceram os monumentos que a que a contemporaneidade lhes erigiu.
Mas os heróis colectivos e fundamentais que serviram de alicerces á grandeza da cidade são estes que eu digo :
os pescadores, que nas lides de um mar particularmente rico capturaram o pescado, e em especial a sardinha, os marnotos, que na faina dolorosa das salinas produziram o sal que permitia transformar o peixe fresco em alimento duradouro,
e os almocreves, que, a tanger longas récuas de mares, lares, levaram a sardinha de Sesimbra e de Setúbal a toda a charneca alentejana e, além dela, a grande parte da Estremadura transraiana.
No Séc. XVI Setúbal merece ser condecorada com o titulo de «notável vila» (1525).
Em 1553 as duas velhas freguesias (Santa Maria e São Julião) desdobram-se em quatro.
Em 1580 é a única vila Portuguesa a tomar energicamente posição pelo candidato nacional). António Prior do Crato.
Em 1583 é ordenada a construção do Castelo de S. Filipe, destinado á defesa da barra do Sado.
Em 1584 é fundada a Irmandade dos homens de Cor.
Em 1598 a Irmandade dos homens de Ganhar, isto é, dos trabalhadores e braçais. E a Senhora do Socorros, cujo templo ainda existe.
No século seguinte, a actividade do porto é ameaçada pelo assoreamento da barra.
Em 1619 verificou-se que, entre a torre do Outão e a ponta de Tróia, onde já passaram caravelas se podia agora, na baixa-mar, passar-se a pé.
Era o desastre: os navios que vinham ao sal largavam no rio o lastro de areia. Mas a barra e o comércio continuou.
Em 1735 o banqueiro Torlades, de Hamburgo, abriu uma agência em Setúbal. Prova vigorosa da vitalitalidade da economia local é a rápida reconstrução após o terramoto de 1755.
O séc. XIX é já o tempo da consagração.
Em 1848 é iniciada a Avenida Todi.
Em 1855 as sardinhas de Setúbal alcançam menção honrosa na exposição de Paris. Aparece então, lançado por José Maria da Fonseca, o moscatel de Setúbal.
O comboio chegou em 1 de Fevereiro de 1861, já então Setúbal era cidade.
O decreto que assim a nomeia explica a promoção « não só pela sua população e posição geográfica e pela quantidade de edificios que avultam dentro dos seus muros, mas também pelo movimento e vastidão do seu comércio devido ao porto de mar »
Sem comentários:
Enviar um comentário